quarta-feira, 23 de junho de 2010

Creio, descreio

Acredito na vírgula, descreio do ponto;

acredito na jangada, descreio do iate;

acredito na parábola, descreio da tese;

acredito na estrela, descreio do holofote;

acredito no taxista, descreio do político;

acredito na canja de galinha, descreio da homeopatia;

acredito na intuição, descreio da estatística;

acredito no milagre, descreio do dogma;

acredito no ramalhete, descreio do diamante;

acredito na serenata, descreio do funk;

acredito na abacatada, descreio da vitamina em pílula;

acredito na sertaneja, descreio da jornalista;

acredito no Espírito, descreio do teólogo;

acredito na poesia, descreio do fato.

Acredito na vida, acredito na vida

acredito na vida, acredito na vida...


Ricado Gondim

sábado, 23 de maio de 2009

ESTOU TÃO INQUIETO!


“E quem poderia reconhecer o Rei daquele reino? Ele não tem formosura nem beleza. Suas roupas são aquelas que encontramos num brechó. Não faz a barba há semanas. Cheira a mortalidade. Temos romantizado tanto seu estado deplorável que a única coisa que conseguimos captar são ecos da maneira como ele escandalizou seu tempo, de como os discípulos de João Batista estavam horrorizados quando perguntaram: ‘É você aquele que deveria vir?’; ou na pergunta de Pilatos: ‘Você é o Rei dos judeus?’, numa roupa larga, de boca aberta, ou no humor negro da placa pregada sobre sua cabeça, escrita em três idiomas para que ninguém dissesse que não entendeu.”
(Frederick Bueghner)


Observo com um pessimismo no estilo Schopenhauer a maneira como nós, cristãos, caminhamos na contramão do Evangelho que foi pregado por Jesus.

Quando Ele iniciou o seu ministério, o quadro encontrado foi: judeus vivendo uma vida religiosa baseados em três práticas formais: esmolas, jejuns e orações. Jesus apontou outro caminho:
amor, graça e liberdade, onde o que estava em jogo não era o que definitivamente você fazia, mas, a nobreza estava em quais motivações estava baseada a sua ação, que mostrava se as pessoas agiam por amor, companheirismo, amizade ou simplesmente para serem vistos, apontados, lembrados ou porque a prática religiosa exigia tais ações.

Hoje, quase dois mil anos depois da morte de Jesus, cometemos os mesmos equívocos. Nossas práticas mudaram é verdade, mas insistimos em viver um evangelho pragmático, cuja tese fundamental é que ele seja útil, e nos propicie alguma espécie de êxito e satisfação pessoal. Infelizmente, este evangelho utilitário é o que enche as igrejas do nosso país. Desde o advento da “teologia da prosperidade”, empurrados pelo “Sonho americano de vida” , a maioria dos cristãos sonham em ascender socialmente, ter dinheiro, carros e empresas, e Deus é utilizado com suposto aliado nessa “troca”. Perdemos nossa identidade cristã na busca insana do ter e do ser, e com isso, nossa visão de reino é altamente comprometida quando assumimos valores e princípios que em nada se parecem com aquilo que Jesus e seus apóstolos viveram na Palestina do início da era cristã.

Nossa religiosidade se resume no esforço de pedir a Deus que compense as nossas distorções pessoais, “premiando” o maior número possível de filhos com favores especiais. Repete-se nos sermões que “Deus é bom e não deixará que os seus filhos mendiguem o pão”. Mais sejamos sensatos, os fatos nos mostram uma realidade muito diferente disto: quantos cristãos não morrem diariamente nos corredores de hospitais públicos a espera de leitos ou de condições humanas para atendimento? Ou ainda, quantos cristãos não povoam as favelas, com suas casas sustentadas em ribanceiras e com esgotos a céu aberto? Quantos cristãos não se encontram no nordeste vivendo as conseqüências da seca, andando quilômetros por um balde de água barrenta dependendo do assistencialismo dos coronéis ou de uns poucos trocados de algum programa do governo? Quantos cristãos não são residentes de pontes, cortiços dos grandes centros? Seria apenas a falta de fé destas pessoas que as colocam nestas situações? Acredito que não, afirmo com toda certeza que tais têm mais fé do que todos nós juntos, mas a realidade cruel mostra que num mundo como o nosso, onde impera o egoísmo e a ambição, sempre existirão aqueles que serão inalcançados, e para esses tarda a “benção” da prosperidade. Insisto, será apenas falta de fé, ou a teologia da prosperidade é uma farsa?

Precisamos desencantar o mundo, e deixar de romantizar nosso cristianismo. Observo que muitas vezes os crentes se acham um espécie de “Power Rangers” divino, onde em alguns momentos vivemos uma vida corriqueira e normal, mas em outros lutamos contra monstros e criaturas utilizando super poderes.

Temos que fazer a diferença, mas no mundo real,e não nas nossas fantasias. Nossas ações como cristão devem ser concretas como foram as de Jesus quando passou por este mundo. Acima de qualquer milagre ou outra coisa que ele tenha feito, superabundaram à amizade, o amor, a justiça e a graça. Jesus foi marcado como aquele que passou pelo mundo fazendo o bem. Ele colocou a benignidade e a misericórdia no centro da vida cristã.

Não precisamos de uma religião que nos dê tudo o que quisermos, mas, de uma que seja capaz de abraçar a humanidade, sem distinções, sem preconceitos ou prerrogativas. Precisamos de uma religião que nos transforme novamente em seres humanos, capazes de amar ao próximo como a nós mesmos.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

EXTREMISMO NÃO É A SOLUÇÃO!!



Considero o movimento pentecostal importantíssimo na história do cristianismo contemporâneo. Historicamente, as reuniões presididas por William Seymour na Rua Azusa em 1906, e a sua expansão, foram essenciais num momento tenso em que o racionalismo ganhava cada vez mais terreno, e que influenciava até mesmo alguns teólogos daquela época que passaram a questionar bases do cristianismo, como o pecado original e a existência de um Deus pessoal que se relaciona com os seres humanos. Podemos dizer então, que fundamentalmente o pentecostalismo foi um protesto espiritual contra o “secularismo” na igreja do inicio do século XX.

Se no começo do século passado o pentecostalismo foi fundamental como movimento, hoje 103 anos depois, no seu apogeu, ele me assusta. Por quê? Por um motivo bem simples. Ao longo dos anos estão transformando o pentecostalismo de um propósito muito sutil (de resgate de valores e do despertar ao relacionamento com Deus por meio do Espírito Santo) em uma fórmula de alienação de massas e controle ideológico.

A maioria dos pentecostais contemporâneos tem uma idéia empírica do que é relacionamento com Deus, baseados não em conhecimento, mas em experiências. Há uma inclinação a uma visão pragmática da funcionalidade e não da veracidade. Aliás, a grande maioria das pessoas que freqüentam as igrejas pentecostais tem um conhecimento muito reduzido sobre Deus e sobre as verdades bíblicas, mas muitas experiências pra contar. Vivencio uma tendência ao extremismo que diz que aqueles que procuram biblicamente defender os ideais cristãos são “crentes nominais”, “frios” ou “pouco revestidos”, enquanto os manipuladores emocionais de massas são vistos como “homens de Deus”. ( imagino o que pensariam de Paulo nos dias atuais ou no próprio Jesus que declara quando preso que “ensinou todos os dias” )

Não me considero um racionalista e muito menos (embora tenha freqüentado a vida inteira igrejas pentecostais) um pentecostal no sentido coloquial da palavra. Não posso ser um racionalista, porque se o fosse, provavelmente minhas deduções me levariam a duas opções: negar a existência de Deus como faz todos os ateus, ou negar a existência da ligação que existe entre Deus e os homens. Acredito incondicionalmente na existência de Deus, e ainda muito mais que ele quer, e se relaciona conosco. Por outro lado não poderia ser um pentecostal ( no sentindo coloquial ), pois não acredito que ações extravagantes, lágrimas, suor, glossolalia, gritos que mais parecem aquilo que Jung chamou de “histeria coletiva” representam fielmente o modelo ideal de relacionamento, que devemos ter com Deus.

Não posso como cristão simplesmente esquecer que o cristianismo tem muito mais de conceitual e aprendizado do que experiências emocionais. Jesus é muito mais importante pelo seu ensino do que pelos milagres que operou. A maior parte do Novo Testamento é de ensinos e conselhos. Paulo e os outros apóstolos exaustivamente orientam as igrejas. O próprio Jesus diz que suas palavras são “Espírito e Vida”. A Palavra tem papel tão importante na vida cristã que é chamada de pão e alimento, ou seja, vital para que se haja vida. Entre as funções do Espírito Santo que muitos ignoram está: “fazer-vos lembrar das palavras que eu vo-los tenho dito”.

O que quero dizer é: não há como menosprezar as manifestações do Espírito Santo. Acredito nelas como já as presenciei. Porém não posso aceitar que a vida cristã seja resumida em apelo emocional, ritualístico, extravagante e até mesmo esotérico. Coisas básicas como mudança de vida, amor ao próximo só vão conseguir fazer efeito em nós quando deixarmos que os conceitos e valores de Deus entrem nas nossas vidas por intermédio do ensino da Palavra, e não quando entrarmos em transe coletivo em um dos apelos frenéticos de algum “profeta” espalhafatoso, e aqui, fatalmente deparamo-nos como uma atividade mais conceitual do que emocional. A verdadeira fé é sentir-se amado, querido e perdoado por Deus sem a necessidade de demonstrações espetaculares. Quem realmente conhece a Deus, não precisa senti-lo de vez em quando, pois tem convicção que ele está presente a todo o momento porque é exatamente isto que a Palavra diz.

Concluo que o melhor caminho a seguir é evitar os extremismos. Parece-me que há uma idéia disseminada que é impossível viver um cristianismo sem “escolher um lado”, “escolher um rótulo”, ou “uma verdade absoluta”. No livro Cristianismo Equilibrado John Stott diz:

“Alguns crentes são tão friamente intelectuais que se questiona serem eles mamíferos de sangue quente, para não dizer seres humanos, ao passo que outros são tão emocionais que se deseja saber se são possuidores de uma porção mínima de massa cinzenta. Eu me sinto constrangido a dizer que o mais perigoso dos dois extremos é o anteintelectualismo de depois a entrega ao emocionalismo...
Sinto-me na obrigação de acrescentar, contudo, que se o antiintelectualismo é perigoso, a polarização oposta é quase igualmente perigosa. Um hiperintelectualismo árido e sem vida, uma preocupação exclusiva com ortodoxia não é cristianismo do Novo Testamento. Não há dúvida de que os crentes primitivos eram profundamente motivados pela experiência de Jesus Cristo.”

Posso muito bem ser pentecostal, não extremista, que entende a importância de uma vida de momentos e Ação do Espírito, porém não ignorando os meios conceituais que envolvem a mensagem do Evangelho. Não precisamos de extremismos. Conhecimento e espiritualidade podem andar de mãos dadas, sem racionalidade e extravagâncias religiosas.